Liebreich: The Unbearable Lightness of Hydrogen
Há dois anos, a BloombergNEF publicou minha cartilha em duas partes sobre hidrogênio, Separating Hype from Hydrogen. Do lado da oferta, eu estava otimista: o hidrogênio verde (produzido a partir de energia renovável) com o tempo se tornaria mais barato que o hidrogênio azul (produzido a partir de gás natural, mas com carbono capturado) e, eventualmente, mais barato que o hidrogênio cinza (produzido a partir de gás natural sem captura de carbono).
Do lado da demanda, eu era cético. Embora o hidrogênio limpo seja necessário para descarbonizar vários casos de uso na indústria e talvez para armazenamento de longa duração, achei difícil identificar qualquer função para ele em aplicações como transporte terrestre ou aquecimento de ambientes. Desde então, como tenho trabalhado mais com aquecimento industrial, cheguei a acreditar que ele tem um papel limitado mesmo lá.
Se minha intenção na época era injetar alguma realidade nas discussões sobre o hidrogênio, falhei claramente. A retórica em torno do hidrogênio tornou-se cada vez mais exagerada.
De acordo com o grupo lobista Hydrogen Council, citando uma série de relatórios encomendados pela McKinsey nos últimos três anos, espera-se que o hidrogênio contribua com mais de 20% das reduções de emissões necessárias para o mundo atingir emissões líquidas zero – um número repetido por políticos e jornalistas aparentemente sem o menor exame crítico.
O chanceler alemão Olaf Scholz chamou o hidrogênio de “o gás do futuro” e prometeu “um enorme boom”. O primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, declarou que “mudar para uma sociedade de hidrogênio e desenvolvê-la é fundamental para alcançar a descarbonização”. Frans Timmermans, vice-presidente executivo da União Europeia (UE) para o European Green Deal, acredita que “hidrogênio é massa”. Jacob Rees Mogg, brevemente Secretário de Estado de Energia do Reino Unido este ano, chamou o hidrogênio de “a bala de prata”.
O dinheiro público começa a fluir. A UE aprovou os primeiros 13 bilhões de euros (US$ 13,7 bilhões) dos 430 bilhões de euros (US$ 450 bilhões) prometidos em sua Estratégia de Hidrogênio para 2020 e agora está trabalhando para lançar um “Banco de Hidrogênio”. A Lei de Redução da Inflação (IRA, Inflation Reduction Act) dos Estados Unidos oferece um desconto fiscal de dez anos por quilo de hidrogênio verde no valor de US$ 3, que em breve será mais do que o próprio custo de produção. Hidrogênio grátis, quem quer?
De suprema importância
Em outubro deste ano, o Hydrogen Council e a McKinsey divulgaram outro relatório intitulado Global Hydrogen Flows, prevendo o transporte de longa distância de 400 milhões de toneladas de hidrogênio limpo e seus derivados (calculado com base no conteúdo de hidrogênio) até 2050, da produção global total de 660 milhões de toneladas de hidrogênio. Vale lembrar que, hoje, 94 milhões de toneladas de hidrogênio são usadas anualmente, praticamente todo obtido a partir de combustíveis fósseis, gerando 2,3% das emissões globais. A maior parte do hidrogênio de hoje nunca sai do composto no qual é feito, muito menos cruza uma fronteira internacional.
A ideia de importações de hidrogênio como forma de descarbonizar as principais economias industrializadas é extremamente sedutora – tanto que a Alemanha e o Japão o tornaram central em suas estratégias de descarbonização. Aqui está o PM japonês Kishida novamente: “O Japão pretende comercializar uma cadeia internacional de abastecimento de hidrogênio, produzindo hidrogênio a granel a baixo custo em países abençoados com abundantes recursos de energia renovável juntamente com infraestrutura de transporte marítimo”.
O chanceler Scholz está promovendo as importações de hidrogênio não apenas como uma forma de descarbonizar a economia alemã, mas como um substituto para o gás russo. Em agosto, ele e o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau voaram para Newfoundland e Labrador para assinar um acordo para “criar uma cadeia transatlântica de abastecimento de hidrogênio bem antes de 2030, com as primeiras entregas previstas para 2025”. Enquanto escrevo isso, o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, está em uma viagem de cinco dias à Namíbia e à África do Sul para garantir o abastecimento de hidrogênio.
O problema com essa visão de importações de hidrogênio em larga escala é que é improvável que a física do hidrogênio funcione.
A insustentável leveza do hidrogênio
Em fevereiro deste ano [2022], o Suiso Frontier da Kawasaki Heavy Industries [primeiro navio transportador de hidrogênio líquido do mundo] chegou a Kobe, no Japão, carregando a primeira carga mundial de hidrogênio líquido da Austrália. Esta importante ocasião marcou o início de um admirável mundo novo de comércio de hidrogênio líquido, como sugeriu a cobertura da imprensa? Em uma palavra, não.
Reserve o custo de AU$ 500 milhões (500 milhões de dólares australiano, ou US$ 334 milhões) do projeto; deixe de lado o fato de que a maior parte do hidrogênio a bordo do Suiso Frontier foi produzido a partir de carvão, e deixe de lado o incêndio que ocorreu a bordo durante o carregamento. Os 1.250 metros cúbicos de hidrogênio transportados pela Suiso Frontier continham apenas 0,2% do conteúdo energético de um único grande transportador de GNL. Ok, a primeira carga de GNL, transportada há 63 anos do rio Calcasieu no Golfo da Louisiana para o Reino Unido, consistia em 2.475 toneladas igualmente insignificantes. Certamente o hidrogênio líquido pode ser ampliado da mesma forma que o GNL? A Kawasaki Heavy Industries, construtora da Suiso Frontier afirma que já alinhou o primeiro pedido para um número muito maior, transportadora de 160.000 m³ da Nippon Kaiji Kyokai.
É aqui que a física do hidrogênio líquido entra em ação. Embora o navio ampliado carregasse 60% do volume de um GNL Q-Max, ele carregaria apenas 22% da energia.
O hidrogênio tem densidade de energia gravimétrica muito boa – a quantidade de energia transportada por unidade de peso. Nesta medida, o hidrogênio supera o diesel, a gasolina e o combustível de aviação por um fator de cerca de três, e o GNL por um fator de 2,7 – e é por isso que é um ótimo combustível para foguetes. No entanto, tem densidade de energia volumétrica muito pobre - a quantidade de energia transportada por unidade de volume. Vale lembrar que, enquanto um metro cúbico de água pesa 1.000 quilos, um metro cúbico de hidrogênio pesa apenas 71 quilos.
Em uma base volumétrica, a densidade de energia do hidrogênio é um quarto do combustível de aviação e apenas 40% do GNL. Como os navios têm volume limitado (pense no Canal de Suez, no Canal do Panamá etc), isso inevitavelmente significa mais viagens. Mesmo que a Kawasaki Heavy Industries escalasse seu transportador de hidrogênio para o mesmo tamanho de um Q-Max, seria necessário fazer 2,5 entregas para transportar a mesma quantidade de energia que uma carga de GNL. Você não precisa saber nada sobre frete para saber que 2,5 vezes mais viagens vai custar 2,5 vezes mais.
Mas este é apenas o começo. Um transportador de hidrogênio líquido será inevitavelmente mais caro do que um transportador de GNL. Sua carga será de -253°C em vez de -162°C, e todos os tubos, válvulas, bombas e tanques devem resistir à fragilização por hidrogênio [fenômeno químico, reação entre o hidrogênio e o aço que leva à perda de elasticidade e resistência à tração deste último]. E, como o hidrogênio líquido é mais frio e mais leve que o GNL, o navio de hidrogênio líquido teria até nove vezes mais ebulição no caminho (esses navios deixam parte da carga evaporar quando o calor entra nos tanques e, em seguida, usam isso como combustível para seus motores), a menos que você adicione muito mais isolamento ou um complexo sistema de reciclagem criogênica.
No geral, seria sensato assumir que o segmento transoceânico de seu comércio de hidrogênio custará cerca de quatro vezes o custo do GNL por unidade de energia.
É a física, estúpido
Mas isso trata apenas do segmento transoceânico. Ainda temos que falar sobre liquefação e regaseificação.
A liquefação do hidrogênio é um processo que consome muita energia, tornado complexo pelas peculiaridades da física do hidrogênio – coisas como seu efeito Joule-Thomson negativo (ao contrário da maioria dos gases, o hidrogênio esquenta quando se expande e esfria quando comprimido) e a conversão orto-para de isômeros (sem a qual o hidrogênio líquido evapora novamente, independentemente do isolamento). A liquefação do hidrogênio consome atualmente 30-40% de seu conteúdo energético, contra não mais de 10% para o GNL. Formas de melhorar isso estão sendo pesquisadas, mas nada pode mudar o fato de que liquefazer hidrogênio é, simplesmente, um parto.
Quanto à regaseificação, novamente as usinas serão mais caras do que para o GNL. Precisam operar em temperaturas mais baixas; todas as válvulas, bombas, tubulações e tanques devem resistir à fragilização; e os compressores devem ser de maior capacidade porque a pressurização do gás hidrogênio requer mais trabalho do que a pressurização do gás natural. Políticos europeus, lutando para construir novos terminais para receber GNL em substituição ao gás russo, estão sugerindo que esses terminais sejam reaproveitados para receber hidrogênio ou seus derivados. Isso não faz sentido. Você pode reutilizar as docas e a infraestrutura, e quaisquer dutos de distribuição podem ser atualizados, mas 70% de todo o resto deve ser descartado.
Em resumo, enquanto o GNL aproximadamente dobra o custo do gás fornecido por gasoduto, o transporte de hidrogênio líquido custará de quatro a seis vezes mais do que o GNL. Em outras palavras, você não pode alimentar uma economia com hidrogênio líquido importado, e isso não é por causa de coisas que podem ser corrigidas – escala, tecnologia, custo de capital e assim por diante – mas por causa da física subjacente: densidade volumétrica, liquefação temperatura e interações com outros materiais.
É um gás, gás, gás!
Se a importação de hidrogênio na forma líquida está fora de questão, que tal importar o hidrogênio na forma de gás?
Aqui, as coisas parecem muito melhores. O hidrogênio gasoso já é transportado por dutos – todos os tubos, bombas, válvulas e tanques precisam ser projetados adequadamente, mas os custos não são terríveis. Da mesma forma, dado o volume de hidrogênio que vamos precisar em “centros de hidrogênio” industriais para usos industriais e para fornecer energia de backup de longa duração.
A simples substituição da produção atual de hidrogênio cinza e preto criaria uma demanda de 94 milhões de toneladas de hidrogênio limpo. As importações de dutos estão bem posicionadas para atender a uma proporção decente disso.
Há, no entanto, uma ressalva. O maior gasoduto do mundo (excluindo ramais laterais) é o Gasoduto Nacional de Unificação (GASUN) do Brasil, com pouco menos de 5.000 quilômetros de extensão. Em seu relatório sobre o comércio de hidrogênio, a McKinsey e o Hydrogen Council preveem 40 “rotas comerciais” de hidrogênio conectando o globo. Aqueles que servem a Europa por oleoduto da Noruega, Norte da África e Golfo são certamente viáveis (o da Rússia está claramente fora de questão há décadas). No entanto, nenhuma das rotas comerciais mais longas que ligam a costa oeste dos EUA com a Ásia, a Costa Leste dos Estados Unidos com a Europa, ou o Golfo, a África ou a Austrália com a Ásia são prováveis para carregar um único metro cúbico de hidrogênio gasoso.
Existem algumas empresas que propõem transportar gás hidrogênio comprimido por navio. Isso lhes permitiria evitar o custo e a complexidade da liquefação, mas os exporia aos mesmos problemas de menor densidade de energia volumétrica, só que mais. A Provaris Energy projetou um navio transportando gás hidrogênio a 250 bar. Mas isso se traduz em apenas 25 quilos de hidrogênio por metro cúbico – pouco mais de um terço da densidade volumétrica muito pobre do hidrogênio líquido. Escalada para o tamanho de um Q-Max, sua nave carregaria cerca de um sétimo da energia. Sete navios para fazer o trabalho de um, você pode imaginar o que isso faz com os custos.
Pode haver algumas aplicações de nicho para o transporte de hidrogênio gasoso, por exemplo, mover suprimentos encalhados entre ilhas, mas isso não acontecerá em mais do que quantidades homeopáticas.
Os exóticos
Existem outras formas de transportar hidrogênio além do líquido e do gás. Falaremos sobre os derivados do hidrogênio em um momento, mas primeiro quero lidar com os exóticos – portadores de hidrogênio orgânico líquido (LOHCs) e hidretos metálicos. Aqui, o objetivo é carregar o hidrogênio em um transportador químico ou metálico, o que permite que ele seja transportado em temperaturas e pressões ambientes. Na chegada, o hidrogênio é liberado e o transportador retorna ao ponto de origem.
Um LOHC promissor é o benzil tolueno, sendo comercializado como uma solução para o transporte de hidrogênio por uma empresa chamada Hydrogenious. Mas, novamente, há um problema de densidade volumétrica. Um metro cúbico de benzil tolueno só pode ser carregado com 54 quilos de hidrogênio – o que significa quatro vezes mais viagens para cada carga de energia do que com GNL. Além disso, carregar hidrogênio no solvente orgânico é um processo exotérmico, gerando calor onde não é necessário, e então é preciso adicionar energia a 300°C no local de chegada para extraí-lo – gastando cerca de 30% da energia fornecida.
Isso não quer dizer que os LOHCs não sejam interessantes: eles talvez possam encontrar um papel no armazenamento estacionário de longa duração - nem todos os lugares têm cavernas de sal ou campos de gás esgotados necessários para armazenar hidrogênio gasoso, mas qualquer fazenda de tanques seria capaz de lidar com benzil tolueno e pode haver opções para armazenar e reaplicar o calor do processo entre os ciclos. Pode até haver um modesto mercado de importação de LOHCs, para reabastecer os tanques de armazenamento de longa duração.
Os hidretos metálicos oferecem a esperança de transportar até duas vezes mais combustível por metro cúbico do que o hidrogênio líquido - mas cada família de hidretos estudada até agora mostrou desvantagens: custo, densidade gravimétrica, tempo para carregar, capacidade de absorção, calor necessário para liberar o hidrogênio e assim por diante. Seria um investidor corajoso quem pensasse que iríamos transportar hidrogênio em escala dessa maneira, quando 50 anos de pesquisa não resultaram em uma única aplicação comercial.
Primeiras derivadas
Em seguida, derivados de hidrogênio – e-metano, e-metanol. Estes são certamente mais fáceis de transportar – substitutos de seus equivalentes fósseis. O problema deles é o alto custo de produção. Para cada um deles, você precisa de uma fonte de hidrogênio limpo – seja azul, verde, rosa ou vermelho (da energia nuclear, qualquer que seja o código de cores que você usar) ou qualquer outro – além de uma fonte de carbono próxima, e então você precisa combiná-los em moléculas de vários graus de complexidade.
A fonte mais barata de carbono seria capturada da combustão de combustíveis fósseis – mas isso não faria sentido, pois não seria compatível com o zero líquido. A única coisa que poderia fazer sentido seria usar a captura direta de ar (DAC) ou garantir o carbono de uma fonte de base biológica, de modo que, quando queimado, ele apenas retornasse à atmosfera.
Um pouco de pensamento sistêmico, no entanto, mostra que mesmo isso não faz sentido. Tome e-metano. Quando você tiver assumido o custo de garantir seu carbono, por que não apenas sequestrá-lo, em vez de incorrer em custos adicionais na produção de hidrogênio e combiná-los em seu derivado? Você poderia simplesmente entregar gás fóssil antigo ao país importador – juntamente com um crédito de carbono, se necessário. Isso seria idêntico do ponto de vista climático e muito mais barato.
O metanol pode e deve ser feito no futuro usando hidrogênio limpo. Parte dele será produzido onde o hidrogênio é barato e exportado, mas apenas para casos de uso em que será consumido como metanol. Em 2022, a produção global de metanol foi de 110 milhões de toneladas – mas ajustando para pesos molares, isso equivale a apenas 14 milhões de toneladas de hidrogênio. Se a demanda dobrasse e um terço fosse comercializado internacionalmente, seria criado apenas um mercado de importação de 9 milhões de toneladas por massa de hidrogênio. Isso mal arranha a superfície dos 400 milhões de toneladas do Conselho de Hidrogênio.
O e-metanol também representa um caminho potencial para descarbonizar o transporte marítimo – mas a amônia e os biocombustíveis à base de resíduos parecem ser mais baratos. Mesmo o uso de energia nuclear para os maiores navios do mundo provavelmente seria mais barato do que o e-metanol. A demanda global de combustível para navios hoje é de cerca de 300 milhões de toneladas por ano; vamos supor, com otimismo, que a demanda aumente 50% até 2050, que 20% seja substituído por metanol e um terço desse metanol seja comercializado internacionalmente. Depois de ajustar a massa molar e o conteúdo energético do metanol, isso só criaria uma demanda anual para mais 8 milhões de toneladas de importações de hidrogênio.
E-combustíveis
Alguns continuam a promover os e-combustíveis [produzidos a partir de fontes renováveis de energia] como solução para o transporte terrestre, principalmente na Alemanha e no Japão. Eles apontam para o fato de que tais combustíveis não exigem mudanças no comportamento do consumidor, destacam os milhões de empregos que dependem do motor de combustão interna e afirmam que a sucata de 1,4 bilhão de veículos de combustão interna nas estradas do mundo seria muito custosa.
Seus argumentos não têm mérito. Primeiro, esses 1,4 bilhão de veículos serão descartados de qualquer maneira antes de qualquer ano que os países selecionem para zero líquido. Na maioria dos casos, os veículos elétricos já são competitivos em termos de custo total de propriedade com gasolina e diesel. Os e-combustíveis, por outro lado, ainda serão três a cinco vezes mais caros em 2050, impulsionados pela complexidade de produção e pelas perdas de eficiência em cada estágio de produção. Sim, a Porsche está construindo um projeto piloto no Chile para produzir e-combustíveis, mas a base de clientes deles não é exatamente preocupada com os custos.
O fato é que os empregos associados à fabricação de motores de combustão interna vão desaparecer de qualquer maneira, a única questão é se eles serão perdidos para outras tecnologias ou para a China. Quanto à mudança de comportamento, a maioria dos usuários de veículos elétricos gosta do fato de poder carregar em qualquer lugar, em vez de ter que ir a um posto de gasolina toda semana.
Voos de fantasia
Hora de mergulhar fundo no uso potencial do hidrogênio na aviação. A Airbus disse que “considera o hidrogênio um importante caminho tecnológico para alcançar nossa ambição de trazer uma aeronave comercial de emissão zero ao mercado até 2035” e, neste mês, a Rolls-Royce e a EasyJet foram notícia ao testar um motor turboélice de hidrogênio puro.
Acontece que operar um motor de avião com hidrogênio não é a parte difícil – a União Soviética fez isso em 1988, não em uma bancada de testes, mas no ar. Os verdadeiros problemas são causados, mais uma vez, pela física do hidrogênio.
Com apenas 25% da densidade de energia do querosene, substituir a carga máxima de combustível de decolagem para uma aeronave de longa distância exigiria mais espaço do que todo o volume varrido de sua fuselagem – um fiasco. Para voos de curta distância, foco de interesse da Easyjet, o tanque de combustível ocuparia cerca de um terço da fuselagem. Isso significa preços de passagens 50% mais altos do que agora, mesmo antes de pagar os custos mais altos do avião, o custo do hidrogênio líquido e o custo do equipamento de assistência em terra. No total, espere uma duplicação ou triplicação dos preços.
O verdadeiro obstáculo, no entanto, é levar o combustível para o aeroporto. Existem linhas de transferência de hidrogênio líquido, mas não há como manter quilômetros de dutos a -253°C e lidar com as questões de segurança de possíveis vazamentos. Restam caminhões-tanque ou gasodutos.
Vamos fazer um experimento mental: tente substituir todas as 20.000 toneladas de combustível de aviação entregues diariamente no aeroporto de Heathrow por 7.200 toneladas de hidrogênio líquido. Por caminhão-tanque, isso significaria 2.300 movimentações diárias de hidrogênio líquido no oeste de Londres. As implicações de segurança e tráfego não valem a pena pensar. Agora, a única opção é trazer o hidrogênio pelo gasoduto e liquefazê-lo no local. Mas isso exigiria 2,7 GW de energia elétrica, de acordo com o engenheiro e especialista em amônia da Universidade de Oxford, Dr. Mike Mason – aproximadamente a produção de uma nova usina nuclear do tamanho de Hinkley C, além de muitos postes. E então você precisa despejar calor suficiente para aumentar a temperatura do Tâmisa em 18 graus C.
O ponto principal é que o hidrogênio líquido talvez possa alimentar alguns jatos executivos – a startup ZeroAvia certamente espera que sim – mas não a aviação como a conhecemos. O único papel substancial do hidrogênio na aviação seria por meio da produção de e-combustíveis. Estes são certamente tecnicamente viáveis – a empresa britânica Zero Petroleum já fez alguns – mas parecem ser pelo menos duas vezes mais caros que os combustíveis de aviação sustentáveis (SAF) baseados em resíduos agrícolas ou florestais.
Se os volumes potenciais de SAF forem limitados pela disponibilidade de matéria-prima, haverá uma oportunidade de mercado para o hidrogênio em combustíveis de aviação; caso contrário, não haverá. A demanda global de combustível de aviação foi de cerca de 300 milhões de toneladas em 2019, o que se traduz em 46 milhões de toneladas com base na massa de hidrogênio. Se a demanda cresce 50%, 25% são atendidos pelo e-jetfuel e um terço disso é embarcado internacionalmente, o que gera apenas 6 milhões de toneladas de hidrogênio comercializado.
Geme, geme, amônia
Isso nos leva, finalmente, à amônia – a última opção para aqueles que esperam desenvolver importações substanciais de hidrogênio de longa distância.
Cerca de 190 milhões de toneladas de amônia são produzidas a cada ano, principalmente para fertilizantes e como matéria-prima química, quase toda a partir de matéria-prima fóssil. Por aí 10 por cento da produção atual já é comercializada internacionalmente, mas isso chega a apenas cerca de três milhões de toneladas por massa de hidrogênio.
Mudar para amônia limpa para a produção de fertilizantes sem dúvida levará a um grande aumento no hidrogênio comercializado. Onde há gasodutos, o hidrogênio pode ser produzido onde a energia renovável é barata e importada no lugar do gás natural e usada para produzir amônia no destino. Onde não houver oleodutos, amônia verde ou fertilizante acabado serão produzidos e enviados em seu lugar.
Supondo que o mercado de fertilizantes cresça pela metade até 2050, todo ele seja de baixo carbono e um terço acabe sendo embarcado internacionalmente, isso aumentaria o comércio de amônia de 18 para 95 milhões de toneladas por ano – muita amônia. Isso será um alívio para quem investe em projetos de amônia no Chile, Canadá, Namíbia e África do Sul: sua produção pode não ter muito uso no setor de energia, mas pelo menos eles devem ter acesso a um mercado muito importante. É, no entanto, apenas 17 milhões de toneladas com base na massa de hidrogênio.
De volta ao envio de combustíveis. Como a amônia será mais barata que o metanol, conforme discutido, sejamos otimistas e digamos que metade dos volumes descritos acima sejam substituídos por amônia, e um terço dela seja comercializado internacionalmente. Isso geraria 25 milhões de toneladas adicionais de demanda por massa de hidrogênio.
A grande aposta do Japão
O Japão aposta que a amônia importada será usada para gerar energia. Seu plano nacional de descarbonização se baseia em manter suas usinas movidas a carvão, mas alimentando-as com proporções crescentes de amônia – primeiro 20%, depois 50%, depois 100% até 2050. Está tão confiante – e tão interessado em continuar vendendo sua tecnologia internacionalmente – que está encorajando o Vietnã e outros países do Sudeste Asiático a continuarem construindo usinas elétricas movidas a carvão. Será que a aposta valerá a pena?
Vejamos primeiro a amônia feita de hidrogênio verde. Isso significa gerar energia eólica e solar; usá-lo para produzir hidrogênio (80% de eficiência); produção de amônia pelo processo Haber-Bosch (70% de eficiência); liquefazendo-o (90% de eficiência); enviá-lo (90% de eficiência); e queimá-lo para gerar energia (45% de eficiência). Sua eficiência de ponta a ponta será surpreendentemente baixa de 20%. Embora seja possível melhorar a eficiência de cada estágio, a tirania de várias etapas do processo significa que sua eficiência de ponta a ponta é difícil de ceder.
O que 20% de eficiência de ponta a ponta significa é que a energia resultante custará cinco vezes mais que a energia original – e isso sem contar o capital investido em todas as etapas do processo e manutenção. Além disso, a combustão de amônia produz óxido nitroso – perigosos para a saúde e poderosos gases de efeito estufa por si só.
Agora, amônia do hidrogênio azul. Você elimina o estágio de eletrólise, então sua eficiência de ponta a ponta é um pouco maior em 26%, mas você tem o custo extra de captura e sequestro de carbono, então o custo de energia resultante será quase o mesmo. A verdadeira questão, no entanto, é por que se preocupar? Por que não enviar apenas gás natural para o Japão em vez de amônia – o GNL tem 1,7 vezes a densidade de energia volumétrica da amônia, então você precisa de menos cargas. Em seguida, você captura o CO2 na outra extremidade e o sequestra ou o envia de volta ao ponto de origem nos mesmos navios. Você tem o mesmo impacto climático, aproximadamente o mesmo custo de captura e sequestro de carbono, mas eficiência significativamente maior e custos de transporte mais baixos.
O resultado final da amônia como combustível para geração de energia, seja ela co-incinerada ou pura, é que nenhuma economia pode ser competitiva internacionalmente com base nos preços de energia resultantes. Minhas estimativas estão alinhadas com o trabalho de modelagem mais detalhado realizado pela BloombergNEF, esta descobriu que 100% de energia movida a amônia no Japão custaria cerca de US$ 260 por megawatt-hora em 2030 e US$ 200 em 2050 – cerca do dobro do custo da energia renovável.
O fato de o Japão poder gerar grandes quantidades de energia renovável – em particular, energia eólica offshore – a um custo muito menor aponta para o papel que a amônia limpa poderia de fato desempenhar no sistema de energia do país: fornecer backup. Bill Gates gosta de citar Vaclav Smil sobre os ciclones de três dias que atingem Tóquio quase todos os anos – o que interromperia a geração renovável e a deixaria com menos de 22 GW de energia. Ele ri da ideia de que as baterias poderiam preencher a lacuna resultante, e ele está correto em fazê-lo. No entanto, a diferença é de apenas 1.600 GWh, que poderiam ser gerados a partir de um milhão de metros cúbicos de amônia – uma quantidade que poderia ser trazida em apenas quatro cargueiros do tamanho do Q-Max.
Portanto, embora basear a economia do Japão na eletricidade gerada a partir de amônia importada seja um fracasso econômico, armazenar alguns milhões de toneladas de amônia e usá-la para armazenamento de longa duração parece muito mais realista.
Conclusões e implicações
Esta foi uma longa jornada e cobrimos muito terreno. Quero deixar algumas conclusões a título de resumo.
A única maneira de transportar o hidrogênio economicamente é como um gás, por pipeline. Esqueça o hidrogênio líquido: ele lutará para encontrar qualquer papel nos futuros sistemas de energia ou transporte por causa da sua baixa densidade de energia volumétrica e dificuldades de manuseio. Não terá nenhum papel como mercadoria negociada.
A amônia será comercializada e transportada, principalmente para uso na produção de fertilizantes, além de combustível para navios. Ele não será importado para geração de energia em massa, mas será importado e armazenado para fornecer armazenamento de longa duração. Alguns LOHC também podem ser importados, mas apenas onde são armazenados para fins de resiliência.
O metanol limpo será produzido próximo a fontes de hidrogênio limpo e barato e parte dele será enviado ao redor do mundo para uso como matéria-prima química. Os e-combustíveis – seja metanol, gasolina, diesel ou equivalentes a querosene – não serão enviados ao redor do mundo em volumes significativos porque seu custo limitará severamente sua absorção, com a possível exceção da aviação.
Somando os vários fluxos futuros de comércio de hidrogênio cobertos aqui, fica claro que os números do Hydrogen Council/McKinsey de 660 milhões de toneladas de produção de hidrogênio limpo e 400 milhões de toneladas de transporte de longa distância estão fora de um fator de pelo menos três. Além disso, dado que a China e a Índia prometeram apenas zero líquido até 2060 e 2070, respectivamente, esses fluxos que se materializarão levarão décadas além de 2050.
As implicações vão muito além da questão do comércio internacional de hidrogênio e seus derivados. O custo proibitivo das importações de longa distância significa que as indústrias intensivas em energia irão inevitavelmente migrar para regiões com energia limpa e barata. É inconcebível para qualquer país importar minério de ferro da Austrália ou do Brasil, hidrogênio da Austrália, do Golfo, do Canadá ou da África e produzir aço a um custo globalmente competitivo. O pensamento mágico não será uma defesa contra a desindustrialização.
Finalmente, vale a pena notar que nada disso põe em questão o fato de que o hidrogênio limpo será necessário para descarbonizar certos setores, o que acabará gerando mais de 100 milhões de toneladas por ano de demanda. Assim como a mania das ferrovias deixou o mundo com as ferrovias, a mania da eletricidade deixou o mundo com as redes elétricas e a bolha pontocom deixou o mundo com a fibra de banda larga, a mania do hidrogênio deixará o mundo com muito hidrogênio limpo.
A preocupação é que, ao longo do caminho, vamos desperdiçar enormes quantias de dinheiro nos casos de uso errados do hidrogênio e na infraestrutura errada nos lugares errados. Pior do que desperdiçar dinheiro, também estaremos perdendo tempo – e isso é a única coisa que não temos. Sejamos espertos.
Hora de parar para pensar.
Michael Liebreich é o fundador e colaborador sênior da BloombergNEF. Ele também é CEO e presidente da Liebreich Associates, sócio-gerente fundador da EcoPragma Capital e consultor da Junta Comercial do Reino Unido.
Sobre a Bloomberg NEF
A BloombergNEF (BNEF) é uma provedora de pesquisa estratégica que cobre os mercados globais de commodities e as tecnologias disruptivas que impulsionam a transição para uma economia de baixo carbono. Nossa cobertura especializada avalia caminhos para os setores de energia, transporte, indústria, construção e agricultura se adaptarem à transição energética. Ajudamos os profissionais de comércio de commodities, estratégia corporativa, finanças e políticas a navegar pelas mudanças e gerar oportunidades.