sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Redes de captação de águas pluviais. O grande vilão dos desastres de Nova Friburgo.

REDES DE CAPTAÇÃO DE ÁGUAS PLUVIAIS. O GRANDE VILÃO DOS DESASTRES DE NOVA FRIBURGO.
| Mauro Zurita Fernandes | Geógrafo | IBAMA Nova Friburgo/RJ |
| Texto repassado para a lista FEBRAGEO-Brasil |


Vamos tentar ser bem diretos e simples em nossas contribuições.

As chuvas naturalmente são bem distribuídas nas superfícies em que se precipitam.

Quando essas chuvas caem sobre áreas florestadas há o amortecimento das gostas evitando a desagregação do solo pela força do seu impacto e, assim, a penetração da água no solo se dá de forma tênue e contínua, situação que permite melhor absorção evitando os escoamentos superficiais bem como a saturação das camadas inferiores e, também, os deslizamentos.

É interessante ter bem claro que a erosão dos solos é um processo natural, mas que as ações humanas podem acelerar esse processo.

Especialistas estimam que numa área coberta por vegetação nativa, há uma perda anual de aproximadamente 4 Kg de solo por ha. Já em uma área de pastagem (capim braquiária, por exemplo) essa perda aumenta para 700 Kg por ha. Já numa área com plantação de café, por exemplo, a perda chega a 1.100 kg por ha ao ano.

Entretanto as áreas urbanizadas, onde não há a perfeita rede de drenagem das águas pluviais, (telhados, lajes, acimentados, calçadas, asfaltos, etc...) acumulam essas águas e as despejam concentradas em pequenas áreas de solo, causando processos erosivos com maior intensidade.

Uma chuva forte, normal em tardes de verão, pode atingir em torno de 60mm durante uma hora. Isso significa dizer que pode chover 60 litros de água em um metro quadrado, em uma hora.

Agora imagine se esses mesmos 60mm de chuva caem sobre uma pequena casa (uma meia-água por exemplo) num telhado de 50m², que tem uma calha que concentra a água num determinado ponto do terreno...

Assim, 60 x 50 = 3.000mm ou seja, 3.000 litros de água de chuva que caem no telhado e que são despejados num determinado ponto de um terreno no período de uma hora.

Obviamente que, dando as devidas proporções numa área de ocupação com várias residências, essa quantidade de água sobre um pequeno espaço de solo não será absorvida, gerando assim os escoamentos superficiais e, consequentemente, processos erosivos, arrastando vegetação, pedras, terra, etc... E, além dos escoamentos superficiais, se houver um ponto no solo onde esta água se infiltre, este ficará saturado podendo desencadear os citados deslizamentos de barrancos.

Obviamente que vimos, nessa tragédia que se abateu sobre Friburgo, situações naturais de enchurradas e deslizamentos de talude, mas também vimos, e em muito mais porcentagem, casos ocorridos por falta de rede de drenagem de águas pluviais, em ambientes urbanizados.

Vejamos o caso das construções no alto do teleférico, no Hotel Torre de Itália:

Utilizando o Google, eu estimei de área impermeável (lajes, acimentados, telhados, vias de acesso, etc...), por baixo, aproximadamente 3.500m² de área. Então, se na madrugada do dia 12 choveu 250mm, a gente pode estimar que nessa madrugada foram acumulados 875 mil litros de água (250 x 3.500) que devem ter descido por algum local, e que se este local não estiver conduzindo bem essas águas, certamente haverá problemas de escoamento superficial ou deslizamento de encosta. Vejam, estou supondo e não afirmando.

Quanto ao barranco que desceu na subida do teleférico, que caiu sobre a Cultura Inglesa, no ano de 2007 e que se repetiu agora, fechando a FONF, nada mais é do que uma "boca de lobo" que recolhe a água da chuva e despeja justamente no talude instabilizado. E pasmem: ninguém se dispõe a tapar essa "boca de lobo".

Então é muito importante que as habitações com telhados ou lajes, as ruas, as estradas, as áreas cimentadas, asfaltadas, etc.. tenham redes de captação e destino de águas pluviais muito bem conduzidas no sentido de se evitar tais tragédias.

Assim, sugiro que cada cidadão deva verificar em sua propriedade como as águas das chuvas de seus telhados, quintais, lajes, ruas, etc... estão escoando e promover a devida canalização e destino final. Por sua vez o poder público municipal deve administrar par-e-passo essa questão fiscalizando e promovendo as devidas adequações.

Agindo assim estaremos dando um passo bem significativo na prevenção de acidentes relacionados às chuvas, em nosso município.

Espero estar contribuindo.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Tragédia repetida

| Luiz F. Vaz | O Estado de S.Paulo | 24/01/2011 |
(GEÓLOGO, É PROFESSOR CONVIDADO DO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNICAMP)


A tragédia que se abateu sobre a Região Serrana do Rio de Janeiro foi violenta e destruidora, mas não é um caso isolado ou fortuito. Em março de 1967 fenômeno semelhante aconteceu próximo a Caraguatatuba, ceifando 120 vidas e deixando a água do mar suja até hoje. Pouco antes, em janeiro, fora a vez da Serra das Araras, ao longo da Via Dutra, e, apesar de ter ocorrido sobre áreas predominantemente rurais, levou 1.200 vidas.

Esses dois eventos destruidores ocuparam uma área elíptica, com cerca de 30 km de extensão máxima. Se tivessem como centro a Via Anchieta, teriam interrompido todas as ligações São Paulo-Santos, incluindo as linhas de transmissão, dutos e cabos. Felizmente, não houve outros de tal magnitude, mas desastres similares atingiram a região de Cubatão em 1985 e 1994. Em 2000, uma única corrida de lama manteve uma pista da Anchieta fechada por mais de 50 dias. Casos de proporções semelhantes ocorreram na região de Blumenau-Itajaí em 2008, na de Angra dos Reis em 2009 e, anteriormente, em Petrópolis, Rio de Janeiro e vários outros locais. Essa pequena lista mostra que os deslizamentos são fenômenos recorrentes, variando apenas a sua gravidade.

O mecanismo desses deslizamentos segue o mesmo padrão: alguns meses consecutivos de chuvas contínuas, não necessariamente fortes, seguidos por um período concentrado de precipitações muito fortes; os vazios da camada de solo ficam saturados pelas chuvas contínuas, reduzindo a resistência do solo; como a água da chuva forte não tem como se infiltrar, escorre pela superfície, transformando o solo em lama e carregando árvores e blocos de rocha. Esse processo é conhecido como corrida de lama, pela alta velocidade do deslizamento, que pode chegar a algumas dezenas de quilômetros por hora.

Estudos desenvolvidos pelos geólogos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) há mais de 20 anos, e mais recentemente pelo Instituto Geológico, ambos do governo paulista, conseguem identificar o volume de chuva acumulado que propicia a deflagração de escorregamentos, determinam as áreas de risco e elaboram sistemas de alerta. Trabalho semelhante desenvolvido pela prefeitura de Santos, ao tempo em que uma geóloga ocupava uma das secretarias da cidade [nota deste blogueiro: minha amiga Cassandra Maroni Nunes, vereadora em Santos pelo PT], permitiu que tanto em Cubatão como em Santos eventos desse tipo fossem antecipados e medidas de prevenção, adotadas.

A falta de instrumentos legais, porém, dificulta a prevenção. Não há lei que obrigue o morador a desocupar seu imóvel, exceto em caso de risco iminente. Ora, definir risco iminente é difícil quando se lida com fenômenos naturais e, na prática, ninguém pode ser removido das chamadas áreas de risco sem o seu consentimento. Uma ação do Ministério Público, quando cabível, demanda de 10 a 20 anos para ser concluída. Nos casos de Cubatão e Santos, um trabalho de conscientização e treinamento da população e a utilização de monitores da própria comunidade permitiu a adoção de medidas de prevenção.

Apesar das lições anteriores, tanto de deslizamentos funestos como de iniciativas bem-sucedidas, nunca foi formulada nenhuma política ou diretriz sobre o assunto. Mesmo com a grande maioria dos processos de deslizamento diretamente associados às condições geológicas, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão federal encarregado de estudos geológicos e hidrológicos, nunca recebeu a missão (nem verbas) de desenvolver trabalhos de prevenção, exceto em alguns casos localizados.

Os serviços de defesa civil tampouco estão preparados para atender a situações de calamidade. Sua organização é predominantemente transitória, contam com recursos reduzidos e, principalmente, não dispõem de base legal para atuar e assumir o comando em caso de desastres naturais. O despreparo é geral, basta constatar que, na serra fluminense, o socorro só chegou vários dias depois e ainda hoje depende da ação de voluntários. Em pleno caos, o governo, numa medida demagógica, prometeu a liberação do FGTS. Dinheiro é sempre bem-vindo. Mas as pessoas ilhadas nas comunidades serranas do Rio precisavam de água, comida, energia, acesso, comunicação, limpeza e, depois, de dinheiro.

Após os violentos desastres naturais e também os induzidos pelo homem nos últimos anos, principalmente o vazamento de petróleo no Golfo do México, nota-se uma tendência a substituir a política estratégica de longo prazo das grandes potências, voltada para os conflitos armados entre nações e grupos, por políticas de prevenção contra os efeitos das mudanças climáticas. Depois que fomos assolados, na última década, por uma série de terremotos violentos, tsunamis destruidores e enchentes formidáveis, as atividades de defesa civil estão sendo consideradas o foco da ação dos governos nas próximas décadas.

Até hoje não há evidências suficientes para afirmar que a ação antrópica seja responsável pelo aumento da temperatura. A Terra sofre mudanças climáticas alternando períodos frios e quentes. Há cerca de 120 mil anos houve um período de frio intenso, com o gelo avançando até os trópicos, resultando num abaixamento do nível do mar da ordem de cem metros. Esse período, que durou alguns milhares de anos, extinguiu muitas espécies e, aparentemente, teria sido responsável por eliminar a maioria dos nossos ancestrais, reduzidos a um grupo muito pequeno, conforme indicam as variações do DNA.

Seja devido à nossa voracidade por energia ou aos caprichos da Terra, o fato insofismável é que nosso planeta está aquecendo. Esse processo levará à elevação do nível dos oceanos e, além das ameaças às cidades e aos países à beira-mar, terá influência sobre o clima. Enfrentar as mudanças climáticas radicais e sobreviver a elas está se tornando a principal preocupação dos planejadores, de tal sorte que este século será, provavelmente, considerado o século da defesa civil.

Vamos fazer a nossa parte, começando pela legislação e pela organização da área de prevenção de desastres naturais!

(Enviado para s lista da Febrageo pelo autor.)