terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O veio de hematita

Esta história foi contada pelo geólogo Pércio de Moraes Branco, na lista de discussões da Febrageo (Federação Brasileira de Geólogos). Publicada aqui com sua autorização.

Pois vou lhes contar uma história que até hoje não contei pra nenhum geólogo. Depois explico por quê.
Na década de 90, estava eu fazendo cadastro de ocorrências minerais na região de Caçapava do Sul (RS), quando, rodando por uma daquelas estradas de terra do interior, vi, à esquerda, uma pedreira de granito abandonada. Parecia nada ter de importante, mas precisava ser cadastrada; afinal, era um ponto onde houvera produção de um bem mineral.
Deixei o carro na estrada, passei a cerca com meu colega e comecei a examinar o afloramento.
Era, como eu esperava, uma pedreira comum, abandonada havia bastante tempo, onde provavelmente fora extraído granito para produção de brita.
Estava eu ali examinando o afloramento, quando, em dado momento, senti um perfume muito agradável. Minha primeira reação foi atribuí-lo a alguma flor silvestre. Mas, eu estava bem no melo da pedreira e não via nenhuma flor. Bem, pensei, pode ser de alguma planta mais distante, com perfume sendo trazido pelo vento. Só que não soprava a mais mínima brisa.
Intrigado, lembrei que os espíritas e espiritualistas em geral dizem que uma das maneiras pelas quais espíritos do bem se manifestam é através de perfume. Assim, na falta de outra explicação, pensei comigo: "Bem, se é um bom espírito a origem desse perfume, ótimo, estou em boa companhia." E continuei meu trabalho.
Feitas as anotações na caderneta de campo e coletada uma amostra, voltamos, meu colega e eu, para o carro.
Quando estávamos a poucos metros dele e da pedreira, vi um veio de quartzo e hematita que atravessava a estrada em diagonal.  Surpreso, pois eu não vira nada quando passara por ali rumo à pedreira, parei e o examinei usando o martelo. Era algo diferente, que não havíamos encontrado em nenhum outro local. Tinha apenas uns 10 cm de espessura, o que não lhe dava grande importância econômica, mas era uma ocorrência de minério e ferro e, como tal, devia ser cadastrada.
A direção do veio mostrava que ele deveria se estender para dentro da pedreira que acabáramos de examinar. Assim, voltamos para lá, até porque na pedreira ele deveria estar menos alterado e, talvez, com espessura maior.
Começamos a procurá-lo e, por mais que andássemos, não conseguíamos encontrar o bendito veio.  Insisti, porém, pois eu estava convencido de que ele deveria aparecer lá, afinal, a distância da estrada até ali era muito pequena.
Foi aí que, em dado momento, lembrei-me do intrigante perfume que eu sentira. Será que havia um espirito amigo me mostrando o local do veio?
Eu lembrava perfeitamente do ponto em que sentira o perfume e fui lá. Não deu outra. Ali estava o veio de hematita. O perfume, portanto, tinha por objetivo não me fazer olhar para os lados em busca de uma flor, muito menos olhar para o céu em busca de uma improvável visão espiritual. O objetivo era me fazer olhar para o chão: eu estava pisando num veio de hematita.
Foi uma experiência única, que eu nunca vivera antes nem voltei a viver depois.
E por que eu nunca contei isso aos meus colegas geólogos? Ora, simplesmente porque eles, e em especial meus chefes, poderiam pensar, preocupados (e com uma boa dose de razão), que eu estava fazendo “geologia espiritual”.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Esclarecimento - Rio Hamsa

ABAS - INFORMATIVO - "RIO HAMZA" - ESCLARECIMENTO A SOCIEDADE

A ABAS – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS, permaneceu em silêncio esperançosa que essa fosse mais uma “barriga” jornalística que passasse pouco a pouco sem maior alarde. Infelizmente isso não ocorreu.

O conceito de, com um pouco de licença poética (todo bom geólogo tem pelo menos um pouquinho de espírito de poeta), um "rio" fluindo lenta, silenciosa e subterraneamente pelos estratos sedimentares da Amazônia, e que algum método geofísico - detecção de variações de temperatura, no caso, permitisse o visualizar, é por demais fantasiosa.

Contudo, a ideia passada pela reportagem do Guardian, de um rio que vai do Acre até a foz do Amazonas, ao longo de 6000 km, a 4 km de profundidade, ajudando a diminuir a salinidade na sua foz, caracteriza que alguém extrapolou e passou da dose. Isso nos mostra também como funciona os mecanismos de lançamento e divulgação de notícias científicas ou paracientíficas pela imprensa.

A leitura do trabalho original nos mostra que se trata de artigo sobre dados geotermais obtidos em poços na região amazônica, que resultaram na estimativa de fluxos verticais descendentes (recarga ao aquífero), que permitem inferir a ocorrência de fluxos horizontais para descarga do aquífero. O título talvez tenha sido uma escolha oportunista e que, com a entrevista e uma leitura rápida demais do artigo eventualmente levaram, no final, a uma reportagem geológica e hidrogeologicamente equivocada, que acaba causando ceticismo e jogando sombra sobre trabalhos científicos meticulosos que vêm sendo realizada pelos estudiosos e pesquisadores da área de Hidrogeologia em todo Brasil.

Esclarecemos que:
- um “Rio”, todos conhecem, é uma massa de água que flui livremente na superfície da terra em um canal natural, um rio possui leito, margens, nascentes e foz;
- Um “AQUÍFERO” é uma formação geológica, porosa ou fraturada, permeável, capaz de armazenar e fornecer água em grande quantidade. Nos aquíferos estão depositadas as maiores reservas de água doce disponível no planeta Terra; e,
- os hidrogeólogos brasileiros conhecem vários aquíferos na região amazônica, sendo um deles, o Alter do Chão, talvez o mais significativo, e, recentemente com bastante divulgação na imprensa.

Portanto, esse dito Rio Hamza não seria em rio, mas sim um aqüífero, com fluxo lento. Esperamos que os estudos continuem e permitam o claro conhecimento do potencial hídrico subterrâneo da Amazônia, possibilitando o seu acesso administrado e que possa vir a gerar riquezas para a sociedade.

Como o autor desse estudo foi questionado por membros da Febrageo – Federação Brasileira dos Geólogos e outros hidrogeólogos e tendo se manifestado sobre as considerações feitas de forma prepotente e arrogante, refutando todas as ponderações colocadas. A ABAS- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS vem à sociedade para esclarecer e divulgar a verdade dos fatos.



Secretaria ABAS Nacional

Associação Brasileira de Águas Subterrâneas - ABAS
Rua Dr. Candido Espinheira, 560 - Conj. 32
CEP: 05004.000 - São Paulo - SP
Fone: 11 3868-0723
FAX: 11 3868-0727
E-mail: info@abas.org
Web site: www.abas.org

O petróleo não foi descoberto no Lobato


| Nelson Cadeña | Tribuna da Bahia | Publicada em 22/01/2013 |

É bonita a história oficial da descoberta do petróleo no Brasil e a sua exploração comercial em 1939 por Oscar Cordeiro no poço do Lobato, na Bahia. É bonita, mas não é verdadeira. Meio século antes dessas incursões que o Departamento de Imprensa e Propaganda-DIP do governo Getúlio Vargas se encarregou de carimbar como pioneiras, por indispensáveis para a construção de um projeto nacionalista, já se explorava “a lama negra” comercialmente em outra região da Bahia. E existem provas disso.

A história relata que o petróleo teria sido descoberto no Brasil, inicialmente, no posto de Bofete, São Paulo, explorado pelo fazendeiro Eugênio Ferreira de Camargo em 1897 e do que resultaram apenas dois barris e então considerado impróprio. Um conto da carochinha que tem um não sei o que de falso. Dois barris? Pelo amor de Deus. Então, a história se reporta ao posto já referido do Lobato, segundo ela o primeiro explorado comercialmente. Mas o fato é que se explorava petróleo e em grandes quantidades na Bahia entre mil oitocentos e alguma coisa e finais do século XIX. E por que a história oficial não conta isso? Imagino que por não ser um empreendimento brasileiro e sim uma empreitada de exploradores ingleses, comandados por John Cameron Grant que adquiriu a fazenda onde, os nativos diziam, jorrava uma lama escura. Localizada em Maraú, na Baía de Camamu.

É claro que o governo Vargas não tinha o menor interesse em ressaltar os feitos de estrangeiros, no passado, num contexto nacionalista, então em curso, da campanha “O petróleo é nosso” que alimentaria uma grande polêmica na mídia e na política durante 20 anos. E então investiu e consolidou a versão oficial que consagra Oscar Cordeiro e Manoel Inácio Bastos, descobridores da jazida do Lobato. Nenhum demérito para eles que tiveram contribuição decisiva no processo, até pelo empenho em tornar realidade o que num primeiro momento parecia uma aventura.

Retomando a história de John Grant, o cidadão registrou a marca da sua empresa, uma usina de petróleo, em 1888, e esse documento está no Arquivo Público do Estado, com o nome de Braziline, que é a junção das palavras Brazil na versão anglo e Gasoline. O documento especifica o uso da marca que tem um azul petróleo como base nos barris, tambores e nas caixas de madeira destinados ao transporte do querosene, um dos derivados. Ficamos sabendo que uma das utilidades era fornecer combustível para a iluminação pública e privada por candeeiros.

Escrevi sobre o assunto e para minha surpresa o colecionador e pesquisador Ubaldo Senna me enviou uma foto, adivinhem de quem? Do John Grant. Que aparece com um grupo de homens de barba e chapéu e alguns nativos, poucos, em frente a uma usina onde se destacam os tambores e uma tubulação semelhante a que se usa hoje nas refinarias da Petrobras, menos sofisticadas claro. John Grant explorava petróleo, sim, naqueles idos, e em grande quantidade, senão não teria construído uma ferrovia para o escoamento do produto.

O cidadão, segundo Senna, também explorava diamantes em Lençóis, Chapada Diamantina, e era um sujeito refinado, culto. No Amazon.com pode ser adquirido um livro seu: The Bits of Brasil, escrito em 1885, por US$ 18, que consta de poesias com base em lendas de nosso país, pelo que sugere o descritivo.

É bonita, sim, a versão oficial da descoberta do petróleo no poço do Lobato, convenhamos. Mas está na hora de investir em outro campo de investigação. A mística do “petróleo é nosso” é forte, mas no confronto com a história se contrapõe aos fatos.