sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Patrimônio fossil

Em sua coluna Caçadores de fósseis, o colega Alexander Kellner, pesquisador do Museu Nacional, comenta o trabalho que Márcia F. de Aquino Santos publicou sobre um besourinho fóssil de menos de um centímetro, que ganhou o nome Arariperhinus monnei. O bichinho tinha o jeito de um bicudo, a praga do algodão, ou algum tipo de gorgulho.

Ora, e daí? Descobrir um gorgulho de 115 milhões de anos tem grandes implicações na compreensão de como as plantas angiospermas evoluíram. Se essas informações forem usadas de maneira adequada, cruzando-as com outras, poderemos mesmo entender a melhor maneira de controlar infestações em nossas lavouras, sem precisarmos apelar para tanto veneno.

O Arariperhinus faz parte do maior grupo de coleópteros (besouros) conhecido: o Curculionoidea, que tem cerca de 62 mil espécies descritas. Um documentário exibido na TV Escola foi quase todo dedicado a ele.

A descoberta abre portas importantes: até este trabalho, acreditava-se que o grupo teria surgido no Oligoceno, há cerca de 30 milhões de anos. Agora, é preciso revisar esse conceito, pois o bicho viveu 85 milhões de anos antes disso. Mais: como os curculionoídeos comem sementes, frutos e flores de angiospermas, a região do Araripe deve ter apresentado importantes ocorrências dessas plantas, ainda no Cretáceo.

Por outro lado, a coleta predatória e descuidada de fósseis pode pôr a perder espécimes importantes. A revista Cretaceous Research traz o artigo A protoceratopsid skeleton with an associated track from the Upper Cretaceous of Mongolia sobre uma possível associação entre um fóssil de protoceratopsídeo e uma pegada - seria a primeira vez que se consegue tal feito. Como relatam os autores, "achar um dinossauro morto sobre suas pegadas é o Cálice Sagrado da icnologia de vertebrados". A Paleontologia é cheia de casos em que fósseis foram redescritos, revolucionando conceitos. Amostras cuidadosamente preservadas em museus e centros de pesquisa permitem que uma nova luz seja aplicada às velhas observações. É o caso, por exemplo, do ovirraptor, que foi descoberto deitado sobre um ninho de ovos; pensou-se que era um "ladrão de ovos", pois os paradigmas da época, eram que dinossauros não cuidavam dos filhotes. Uma revisão mostrou que era uma mamãe cuidadosa, que morreu soterrada sobre sua ninhada.

Já foram descritos cerca de 300 insetos diferentes na Formação Crato da Bacia do Araripe, uma região que tem sido objeto de coleta predatória de fósseis. Claro que um turista daria um dinheiro razoável por um besourinho fóssil, que ficaria empoeirando na sua estante até que fosse parar no lixo. E estas informações todas jamais teriam sido levantadas.

O Brasil precisa muito de geólogos, incusive que atuem no policiamento de nossos patrimônios naturais. Precisa, também, de uma aplicação efetiva de suas leis, o que demanda fiscalização insistente mas, principalmente, educação. Na mesma coluna, Alexander comenta estudo feito na Argentina sobre trilobitas. Colegas que viajaram àquele país relatam que, lá, se você for pego com um fóssil na sua bagagem, a punição será severa, pois é considerado roubo e contrabando de um bem nacional.

Precisamos desenvolver essa perspectiva aqui no Brasil. Educar e conscientizar sempre será mais importante que vigiar e punir.